"Faça comensalismo e você será um protocooperador"

5 de agosto de 2011

"Muito Além do Nosso Eu"

O livro que tentarei ler este semestre é o que dá nome a este post, de autoria de Miguel Nicolelis, um cientista brasileiro de grande pretensão. Enquanto não posso comentar nada sobre a leitura, vale a pena assistir o vídeo de uma entrevista que Nicolelis concedeu ao programa Roda Viva da TV Cultura, em 2008.

Cuidando da Saúde

Encontrei no site da Folha Online um artigo muito interessante sobre MUSCULAÇÃO. Acredito que ele responde a uma série de dúvidas que temos acerca de como otimizar a realização de atividades físicas aeróbicas e anaeróbicas. Como muitos instrutores físicos não se preocupam em explicar para seus alunos mais profundamente algumas coisas importantes para a prática saudável de musculação, recomendo a leitura do texto que segue.
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Cartilha da musculação inteligente traz dicas e novidades de A a Z

Acabou o tempo das oposições extremas, quando musculação era ou objeto de ódio ou de veneração. Hoje, é indispensável para a saúde e a qualidade de vida. Veja como anda essa força nesta cartilha de A a Z, feita com um monte de especialistas.

(IARA BIDERMAN - DE SÃO PAULO)

Anabolizantes
Quando usados por pessoas saudáveis, esses hormônios sintéticos causam, além da hipertrofia muscular, sérios danos, alerta Vladimir Modolo, do Centro de Estudos em Psicobiologia do Exercício da Unifesp. "O excesso de testosterona, no homem, diminui a produção de esperma e a capacidade de ereção e causa o crescimento das mamas; na mulher, faz crescer pelos no corpo e no rosto e engrossa a voz. Em ambos, pode causar problemas cardíacos e tumores", diz.

Aeróbico e anaeróbico
Exercícios envolvendo grandes grupos musculares, feitos de forma rítmica, como corrida, natação e caminhada, são aeróbicos -não interferem no suprimento de oxigênio para o organismo. Sua prática reduz a pressão arterial, a gordura corporal e o risco de doenças cardiovasculares. Já a musculação é exercício anaeróbico, de curta duração e alta intensidade. "Entre os benefícios estão o aumento da força e da resistência de tendões e ligamentos, redução da gordura e aumento da massa muscular", afirma Valmor Tricoli, professor da Escola de Educação Física e Esporte da USP. O ideal é praticar os aeróbicos e anaeróbicos em dias alternados. "Cada um causa mudanças adaptativas no corpo que 'brigam' entre si", diz Bernardo Neme Ide, do Labex (Laboratório da Bioquímica do Exercício) da Unicamp.

Biomecânica
Como o nome já entrega, essa ciência investiga o movimento sob aspectos mecânicos, suas causas e seus efeitos no corpo. "Nos exercícios de força, você coloca uma carga extra sobre ossos e articulações. Nessa situação, é fundamental observar o alinhamento dos segmentos -como a cabeça em relação ao tronco ou o quadril em relação aos pés- para ativar corretamente os grupos musculares envolvidos e evitar a formação silenciosa de lesões", explica Luiz Fernando Alves, formado em esportes pela USP, com especialização em biomecânica. Segundo ele, alguns ajustes biomecânicos previnem machucados e dores e aumentam a eficácia do treino. Um exemplo: em qualquer exercício feito em pé, o peso do corpo deve estar na parte anterior (frente) dos pés. Isso facilita o trabalho dos abdominais e distribui melhor a carga entre as vértebras da coluna.

Creatina
Chegou neste mês às farmácias do país um medicamento à base de creatina, aprovado para pacientes que sofrem de distrofia muscular. O remédio só deve ser vendido com apresentação de receita. Presente naturalmente nos músculos e na carne bovina, a creatina é vendida sem restrições nos EUA e usada por atletas para melhorar a performance, já que está envolvida no processo de contração muscular intensa e rápida. No Brasil, vem sendo consumida clandestinamente, mas deverá ter sua venda como suplemento liberada até o meio do ano. O suplemento, além de repor o estoque natural de creatina (queimado na atividade física), faz o atleta se recuperar mais rápido. Mas não é indicado para qualquer um, apenas para os de alto rendimento e modalidades esportivas específicas, como halterofilismo. "Acredita-se que ela aumente a massa muscular, mas, se consumida em excesso, aumenta a quantidade de água dentro do músculo. Isso pode sobrecarregar rins e fígado", explica Jomar Souza, médico do esporte e presidente eleito da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.

Descanso
O ganho de massa e força muscular ocorre após o exercício. "Durante o treino, não ganhamos, perdemos: para gerar a energia necessária às contrações, as proteínas do músculo se degradam, o que causa microlesões no tecido e um processo inflamatório. O corpo começa, então, um processo de recuperação em que, além de repor as proteínas, gera um pouco mais delas, aumentando massa muscular. Para isso, precisamos de repouso e de alimentação adequada", diz Dilmar Pinto Guedes Jr., do Cepe (Centro de Estudos da Fisiologia do Exercício) da Unifesp. É no repouso que começamos a produzir hormônios como o IGF 1 (Fator do Crescimento do Tipo Insulina 1), que "avisa" ao corpo que ele precisa produzir moléculas de proteína, segundo Denise Vaz de Macedo, coordenadora do Labex. Dormir bem também é fundamental, para produzir o GH (hormônio do crescimento), outra substância responsável pela construção do tecido muscular. Para esse processo acontecer, os músculos exercitados não devem ser submetidos à sobrecarga por um período que varia de 24 a 72 horas. "Se a dor muscular causada pelo exercício ainda estiver incomodando, é sinal de que o processo ainda não se completou", sugere Macedo.

Explosão
O exercício de explosão exige grande quantidade de força em alta velocidade. "São bons para melhorar a performance em esportes, mas a definição e a hipertrofia não são tão significativas quanto nos exercícios convencionais de musculação", diz Bernardo Neme Ide, do Labex. Movimentos de explosão não são indicados para iniciantes.

Envelhecimento
Exercícios de força podem evitar, diminuir ou reverter parte da perda muscular que ocorre na velhice. "O aumento no volume dos músculos eleva a sua força para as atividades físicas diárias, dando ao idoso maior autonomia", diz a nutricionista Mirtes Stancanelli. "As articulações ficam mais protegidas, o equilíbrio e a postura melhoram, diminuindo o risco de quedas", diz o cardiologista José Kawazoe Lazzoli, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte e do Exercício.

Flexibilidade
A musculação em si não diminui a flexibilidade nem encurta os músculos, afirma Dilmar Pinto Guedes Jr. "O que pode atrapalhar são movimentos feitos da forma errada, levando a erros posturais que acabam diminuindo a amplitude dos movimentos de algum grupo muscular", diz.

Fadiga
Para realizar as contrações, usamos a energia estocada nas células dos músculos. Quando esse estoque acaba, por mais que o cérebro "ordene" o movimento, o músculo para de se contrair e entramos em fadiga muscular. "É um sistema de defesa do músculo, que não permite que o esforço continue após o seu limite. Se, depois disso, for feito um descanso suficiente, ele se recupera", diz Madolo. Mas Cohen alerta que, quando chegamos à fadiga, já ultrapassamos nossos limites e o risco de lesões aumenta bastante.

Fibra rápida e fibra lenta
A musculação pode priorizar o trabalho de um ou de outro tipo de fibra, dependendo do objetivo. "Uma complementa a outra", diz a professora da Faculdade de Educação Física da Unicamp Mara Patrícia Chacon-Mikahil. Fibras musculares "lentas" têm maior quantidade de nervos por unidade. "Essa característica permite que os movimentos sejam feitos com maior precisão e controle. Assim, o músculo trabalha por mais tempo, o risco de lesão é menor e o treino ainda melhora a coordenação. Evita-se, dessa forma a famosa 'roubadinha', que muitas vezes machuca os ossos e as articulações", diz Luiz Fernando Alves, treinador da clínica Força Dinâmica. Já as fibras rápidas têm menor número de neurônios ligados em cada unidade. Os exercícios, para essas, duram poucos segundos, pois elas entram em fadiga rapidamente. "Essas fibras aumentam mais de volume que as outras, mas um grande aumento da massa muscular só é conseguido com cargas elevadíssimas. Se o objetivo é a qualidade de vida, o treino deve ser feito com uma carga adequada, para que a pessoa faça mais séries e repetições", recomenda.

Hipertrofia
O aumento de massa muscular ocorre quando o músculo, após "gastar" suas proteínas para realizar as contrações, começa a produzir novas e mais proteínas. Segundo Vladimir Madolo, do Cepe, com exercícios, descanso e alimentação adequados, é possível aumentar até 50% da massa muscular naturalmente -ou seja, sem o uso de drogas anabolizantes.

Hipertensão
Segundo o cardiologista José Lazzoli, trabalhos científicos mostram que a musculação diminui a pressão arterial. Esse efeito é maior no exercício aeróbico, mas, nas duas atividades, a pressão permanece em níveis mais baixos por 24 horas. "Há um aumento fisiológico da pressão na hora da execução do exercício, mas não há risco de a musculação causar um pico hipertensivo", afirma.

Isométrico e isotônico
Isométrico é quando o músculo não muda de comprimento durante o exercício: a contração é mantida por, no mínimo, 30 segundos, sem movimento articular. Isotônico é o exercício mais usado nas aulas de musculação. A articulação se move, fazendo que o músculo se contraia e se estenda, empregando a mesma quantidade de força para mudar o seu comprimento. "É mais usado quando há lesões articulares, para fortalecer o músculo antes de retornar às atividades habituais", diz Ricardo Nahas, diretor científico da SBME.

Joelho
Exercícios de força tanto podem detonar quanto fortalecer e proteger os joelhos. Um cuidado é fazer o exercício aeróbico sempre antes da musculação, na visão do fisioterapeuta Marcelo Semiatzh, da Força Dinâmica: "O treino produz uma interferência neurológica que vai dificultar o controle da perna depois, na corrida ou na caminhada. Na cadeira extensora da sala de musculação, por exemplo, a pessoa fica estendendo a tíbia e forçando a hipertensão do joelho. Se ela sai dali para caminhar, vai reproduzir esse movimento na marcha e expor o joelho a um risco maior", argumenta Semiatzh. Na concepção dele, é importante, também, observar a rotação externa dos joelhos durante os exercícios, tentando vencer a tendência que temos de virar os joelhos para dentro quando realizamos os movimentos ou mesmo quando estamos parados de pé.

Lesões
Realizar movimentos repetitivos da forma errada, não respeitar o período de descanso para a recuperação do músculo e usar cargas muito pesadas são as principais causas das lesões relacionadas à musculação. "Um movimento que desloca a articulação para um lado errado repetido cronicamente pode fazer com que, em atividades cotidianas, como andar, a articulação posicione o sistema musculoesquelético de forma inadequada, prejudicando não só a articulação como a postura como um todo", diz Madolo. O movimento ou a postura errada podem fazer com que outro grupo muscular, não envolvido diretamente no exercício que está sendo realizado, faça movimentos compensatórios, para suportar o esforço, e acabem se lesionando.

Os movimentos repetitivos também podem fazer com que as microlesões nos músculos e nas articulações aumentem e que o processo inflamatório, que é a resposta do corpo para se recuperar dessas lesões, se torne crônico. "Além da inflamação crônica, isso pode levar à ruptura do músculo ou do tendão", acrescenta Madolo. Se as microlesões se cronificarem nos tendões, podem virar tendinite (inflamação no local) ou tendinose, que é a degeneração do tendão, segundo Nahas.
A ruptura do músculo também pode ocorrer quando ele é submetido à uma carga para a qual ainda não está adaptado. "O excesso de peso sobre a musculatura pode causar ruptura ou distensão muscular, ruptura ou inflamação do tendão ou fratura óssea por estresse", diz Moisés Cohen. O esforço repetitivo também pode levar à fratura óssea por estresse, segundo ele.

Multiarticulares
São os exercícios que movimentam mais de uma articulação e, por consequência, mais de um grupo muscular. Estão mais próximos dos movimentos fisiológicos, que incluem várias cadeias musculares realizando forças opostas, de contração e extensão. "Os multiarticulares são mais complexos, ativam mais o circuito neuromuscular e neuromotor e facilitam a aquisição da 'memória' do movimento, já que correspondem melhor à forma com que nos movimentamos nas atividades habituais", diz Nahas.

Neuromuscular e neuromotor
O sistema neuromuscular é a ligação do cérebro com os músculos, que faz o movimento ou o gesto acontecer. "O cérebro manda a mensagem 'contrair' e os neurônios a levam até o músculo. Ela chega às terminações nervosas dos músculos e articulações, o sistema neuromotor, que responde com o movimento", diz Madolo. Ou seja, todo trabalho de musculação começa na cabeça. A forma inteligente de treinar é imaginar antes o movimento que será executado, ativando assim o sistema neuromuscular e favorecendo a postura e a execução corretas do movimento. "Além disso, pesquisas apontam que esse trabalho cerebral prévio aumenta a estimulação das fibras musculares, o que teoricamente pode aumentar o ganho de massa muscular", conta Madolo.

Osteoporose
A musculação previne e combate a perda da densidade do osso, que caracteriza a osteoporose. "Ela funciona como uma poupança: a pessoa perde menos músculo e de forma mais lenta, mantendo a boa qualidade do osso", diz Márcio Passini, presidente do Comitê de Doenças Osteometabólicas da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia.

Segundo ele, quem tem osteoporose deve trabalhar os abdominais e a musculatura da cintura, para fortalecer a coluna, e fazer exercícios de marcha com peso, para beneficiar o quadril --regiões mais atingidas pela perda óssea.

Proteínas
Se os músculos aumentam de volume, é preciso consumir mais proteínas. Mas nem tanto. "Quem frequenta a academia e está aumentando a massa muscular precisa consumir entre 1,4 g e 2 g de proteína por quilo de peso", diz Scantanelli. Por exemplo: quem pesa 70 kg supre essa necessidade diária com 1 xícara de leite, 1 pote de iogurte, 100 g de filé de frango, 100 g de peixe e 30 g de queijo (nada que supere um padrão normal de refeições). "O corpo não faz reserva de proteína. O excesso é eliminado pela urina, usado para produção de energia ou vai se acumular em forma de gordura", diz Denise Denise Vaz de Macedo, do Labex. Como o excesso de proteína também atua no processo de formação de cristais, pode levar à formação de pedras nos rins, segundo Scantanelli.

Propriocepção
É a capacidade de perceber a posição e o movimento do corpo no espaço e adaptar articulações e músculos para manter o equilíbrio. "Nos ligamentos, temos neurônios que informam ao cérebro que movimento articular é necessário para manter a estabilidade", diz Nahas. Fazer exercícios de força sobre uma bola, por exemplo, aumenta a capacidade proprioceptiva. Implica maior consciência corporal e senso de equilíbrio.

Postura
Certinho, certinho, ninguém é. Mas, na hora de começar um trabalho com pesos, é bom prestar muita atenção à postura. O ideal seria que, antes, a pessoa passasse por uma avaliação postural séria. "Os desvios, assimetrias e compensações posturais de cada um precisam ser considerados para que o treino seja ajustado àquele corpo e não agrave um quadro que pode levar a uma lesão crônica. É importante detectar as alterações posturais de cada pessoa, para ensiná-la a treinar de um jeito que corrija aquela condição e não sobrecarregue áreas do corpo que, por causa da postura dela, já são muito exigidas no dia a dia", diz o treinador Luiz Fernando Alves.

Peso livre
Os pesos e as barras livres são normalmente indicados para quem já tem familiaridade com musculação, porque exigem mais coordenação entre os músculos envolvidos. "É melhor estar acompanhado ao fazer peso livre porque, se houver uma falha muscular ou a pessoa não aguentar o peso, ela não pode largá- lo, como no aparelho. Alguém tem que tirar o peso", afirma Valéria Bonganha, do Laboratório de Fisiologia do Exercício da Faculdade de Educação Física da Unicamp. A barra livre permite trabalhar a coordenação muscular. Quanto maior a coordenação, maior a carga que se consegue levantar. "Isso é importante no dia a dia e para quem quer hipertrofiar", diz Valéria Bonganha.

Qualidade de vida
Apesar de ser o efeito mais visível da musculação, a questão estética é só uma das consequências, e não a mais importante, segundo Ricardo Nahas. "O fortalecimento muscular permite que realizemos melhor todas as atividades do dia a dia, ajuda a prevenir lesões nos esportes, manter a massa óssea etc.", diz. O fortalecimento muscular também é indicado para tratamento e controle de artrose. "A musculatura mais desenvolvida absorve o impacto sobre as articulações, protegendo-as", diz o ortopedista Ricardo Cury. Também facilita o trabalho do coração, por melhorar o retorno do sangue das extremidades do corpo para o coração.

Repetições
Fazer mais repetições com pesos mais leves ou menos repetições com mais carga tem efeito similar na perda de peso e gordura. Segundo Dilmar Pinto Guedes Jr., do Cepe, mais repetições com pesos leves desenvolvem mais resistência, e menos exercícios com mais carga levam à maior hipertrofia. "Para quem quer apenas manter a massa muscular, é indicado fazer mais repetições com menos pesos", diz Ricardo Cury, médico do esporte e ortopedista da Santa Casa de São Paulo.

Refeições
Não vale comer mal e achar que se garante com isotônico. "A alimentação ao longo do dia gera reservas que fazem diferença. Se a pessoa treina de manhã, é o carboidrato que comeu no jantar que faz efeito. Quando treina cheia de carboidratos, não perde massa", diz a nutricionista Cynthia Antonaccio. O ideal é repor os nutrientes na primeira hora pós-treino. "As janelas do organismo estão abertas e sedentas. Os nutrientes serão aproveitados, e não estocados em forma de gordura. E o organismo se recupera mais rápido", diz Scantanelli. Só não vale exagerar: 30 g a 60 g de carboidrato bastam.

Sobrecarga
O músculo cria novas fibras quando submetido ao esforço do peso extra. E não são só os pesos livres, caneleiras ou aparelhos que proporcionam essa sobrecarga. O peso do próprio corpo também cumpre a função. A carga máxima é o maior peso que a pessoa consegue levantar uma única vez. "No treino voltado para a saúde, a sobrecarga é de 40% a 50% da carga máxima para cada pessoa", diz Lazzoli.

Suplemento
A suplementação de vitaminas e minerais não é consenso no Brasil, mas há profissionais que a defendem. "Considero prudente incluir um polivitamínico para preencher o que as pesquisas mais recentes mostram: o brasileiro não consome o suficiente de verduras e frutas", afirma Cynthia Antonaccio. O bioquímico Júlio Tirapeg, autor de "Nutrição, Metabolismo e Suplementação na Atividade Física" (ed. Atheneu), discorda. Segundo ele, só atletas de ponta, que fazem do esporte sua profissão, devem recorrer à suplementação. "Senão, é perda de tempo e dinheiro. O suplemento faz bem quando a pessoa tem alguma deficiência nutricional."

Tônus
Rigorosamente, tônus é o mínimo de contração que o músculo tem mesmo em repouso. "Só perdemos o tônus quando morremos. Essa ideia de 'tonificar' os músculos é algo que as academias vendem, mas não quer dizer nada", afirma Madolo. A expressão começou a ser usada para dissociar a musculação dos excessos da hipertrofia. Quem não quer músculos saltados diz só querer tonificá- los. "Sempre que há trabalho de força eficaz, há algum aumento do músculo", diz ele. Tonificar, então, é usado para indicar uma hipertrofia leve ou moderada. Já a "definição muscular" é, segundo Madolo, o ganho moderado de massa.

Treino funcional
É um treino de força em que vários grupos musculares são envolvidos para a execução de cada exercício -como nos movimentos que realizamos no dia a dia ou para a prática de algum esporte. Para desenvolver força, são usados vários grupos musculares ao mesmo tempo. "O treino funcional utiliza elásticos, roldanas ou o peso do próprio corpo, que impõem uma sobrecarga menor ao corpo", diz Cohen. Segundo Cury, o trabalho global -que inclui todos os grupos musculares- diminui o risco de lesões.

Vigorexia
Querer ficar cada vez mais forte e aumentar os músculos em proporções não naturais, a qualquer custo, é doença e tem nome: vigorexia. Todo vigoréxico faz exageradamente musculação. Não necessariamente porque goste do exercício em si, mas por esse ser um meio indispensável para atingir o seu objetivo de corpo ideal. Como só os exercícios não são suficientes, por causa da imagem corporal distorcida, essas pessoas começam a utilizar drogas anabolizantes que colocam a saúde em risco e causam alterações de humor, como depressão e ansiedade", diz Madolo. A prevalência do distúrbio é maior em homens, mas o número de mulheres com vigorexia está crescendo. O tratamento é feito com terapia cognitivo-comportamental.

Varizes
Embora a musculação favoreça a circulação de retorno (que traz o sangue das extremidades do corpo de volta ao coração), o que favorece o sistema circulatório, o peso usado no exercício e a hipertrofia dos músculos também sobrecarregam esse sistema, que tem de trabalhar mais. Isso pode causar um aumento do calibre das veias e, em algumas pessoas, deixá-las saltadas, segundo Cohen.

Zinco e magnésio
O zinco, presente em carnes vermelhas, feijão e ovos, tem participação importante na renovação celular. A deficiência de magnésio pode prejudicar os exercícios, porque o mineral está envolvido na produção de energia e na contração e no relaxamento muscular. Está presente em cereais integrais e verduras verde-escuro. Segundo a nutricionista Mirtes Scantanelli, esses minerais melhoram o ganho de massa muscular porque, teoricamente, favoreceriam a restauração mais rápida das células de proteína. "Mas não há evidência de que o consumo de suplementos acelere a renovação das células", diz. Além disso, o corpo absorve e aproveita melhor esses nutrientes quando consumidos na forma de alimentos.

1 de agosto de 2011

Falácias

Estamos presenciando um momento em que a biblioteca auto-ajuda tem invadido o mundo, com muitas expressões forçadas e extremamente vagas. Não é raro vermos nas várias postagens das redes sociais aquelas frases de efeito que grande parte das pessoas leem terminando com um "eeennhaa", mas que no final das contas não trazem coisas tão construtivas. Assistimos o nascimento de um aprendizado baseado em textos de Powerpoint corridos nos e-mails, geralmente acompanhados por aquele convite - "ligue o som" -, e remetidos a autores fantásticos da literatura nacional que teriam vergonha do que supostamente escreveram. Antigamente, a literatura trazia beleza na sintaxe e riqueza no enredo. Agora, o conteúdo pobre consegue ser esquecido diante de uma construção de palavras que impressiona.

Pois bem, a ampliação do gradiente de informação requer que usemos cada vez mais um bom e aprimorado senso crítico. Convido vocês então a lerem o texto que segue. É um texto um pouco longo, mas inegavelmente "interessante".

O amor é uma falácia (M. Sulman)

Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz, arguto e astuto - era tudo isso. Tinha um cérebro poderoso como um dínamo, preciso como uma balança de farmácia, penetrante como um bisturi. E tinha - imaginem só - dezoito anos.

Não é comum ver alguém tão jovem com um intelecto tão gigantesco. Tomem, por exemplo, o caso do meu companheiro de quarto na universidade, Pettey Bellows. Mesma idade, mesma formação, mas burro como uma porta. Um bom sujeito, compreendam, mas sem nada lá em cima. Do tipo emocional. Instável, impressionável. Pior do que tudo, dado a manias. Eu afirmo que a mania é a própria negação da razão. Deixar-se levar por qualquer nova moda que apareça, entregar a alguma idiotice só porque os outros a segue, isto, para mim, é o cúmulo da insensatez. Petey, no entanto, não pensava assim.

Certa tarde, encontrei-o deitado na cama com tal expressão de sofrimento no rosto que o meu diagnóstico foi imediato: apendicite.

- Não se mexa. Não tome laxante. Vou chamar o médico.

- Couro preto - balbuciou ele.

- Couro preto? - disse eu, interrompendo a minha corrida.

- Quero uma jaqueta de couro preto - disse.

Percebi que o seu problema não era físico, mas mental.

- Por que você quer uma jaqueta de couro preto?

- Eu devia ter adivinhado - gritou ele, socando a cabeça - Devia ter adivinhado que eles voltariam com o Charleston. Como um idiota, gastei todo o meu dinheiro em livros para as aulas e agora não posso comprar uma jaqueta de couro preto.

- Quer dizer - perguntei incrédulo - que estão mesmo usando jaquetas de couro preto outra vez?

- Todas as pessoas importantes da universidade estão. Onde você tem andado?

- Na biblioteca - respondi, citando um lugar não freqüentado pela pessoas importantes da Universidade.

Ele saltou da cama e pôs-se a andar de um lado para o outro do quarto.

- Preciso conseguir uma jaqueta de couro preto - disse, exaltado - Preciso mesmo.

- Por que, Pety? Veja a coisa racionalmente. Jaquetas de couro preto são desconfortáveis. Impedem o movimento dos braços. São pesadas, são feias, são ...

- Você não compreende - interrompeu ele com impaciência - é o que todos estão usando. Você não quer andar na moda?

- Não - respondi, sinceramente.

- Pois eu sim - declarou ele - daria tudo para ter uma jaqueta de couro preto. Tudo.

Aquele instrumento de precisão, meu cérebro, começou a funcionar a todo vapor.

- Tudo? - perguntei, examinando seu rosto com olhos semicerrados.

- Tudo - confirmou ele, em tom dramático.

Alisei o queixo, pensativo. Eu, por acaso, sabia onde encontrar uma jaqueta de couro preto. Meu pai usara um nos seus tempos de estudante; estava agora dentro de um malão, no sótão da casa. E, também por acaso, Petey tinha algo que eu queria. Não era dele, exatamente, mas pelo menos ele tinha alguns direitos sobre ela. Refiro-me à sua namorada, Polly Spy.

Eu há muito desejava Polly Spy. Apresso-me a esclarecer que o meu desejo não era de natureza emotiva. A moça, não há dúvida, despertava emoções, mas eu não era daqueles que se deixam dominar pelo coração. Desejava Polly para fins engenhosamente calculados e inteiramente cerebrais.

Cursava eu o primeiro ano de direito. Dali a algum tempo, estaria me iniciando na profissão. Sabia muito bem a importância que tinha a esposa na vida e na carreira de um advogado. Os advogados de sucesso, segundo as minhas observações, eram quase sempre casados com mulheres bonitas, graciosas e inteligentes. Com uma única exceção, Polly preenchia perfeitamente estes requisitos.

Era bonita. Suas proporções ainda não eram clássicas, mas eu tinha certeza de que o tempo se encarregaria de fornecer o que faltava. A estrutura básica estava lá.

Graciosa também era. Por graciosa quero dizer cheia de graças sociais. Tinha porte ereto, a naturalidade no andar e a elegância que deixavam transparecer a melhor das linhagens. Á mesa, suas maneiras eram finíssimas. Eu já vira Polly no barzinho da escola comendo a especialidade da casa - um sanduíche que continha pedaços de carne assada, molho, castanhas e repolho - sem nem sequer umedecer os dedos.

Inteligente ela não era. Na verdade, tendia para o oposto. Mas eu confiava em que, sob a minha tutela, haveria de tornar-se brilhante. Pelo menos valia a pena tentar. Afinal de contas, é mais fácil fazer uma moça bonita e burra ficar inteligente do que uma moça feia e inteligente ficar bonita.

- Petey - perguntei - você ama Polly Spy?

- Eu acho que ela é interessante - respondeu - mas não sei se chamaria isso de amor. Por quê?

- Você - continuei - tem alguma espécie de arranjo formal com ela? Quero dizer, vocês saem exclusivamente um com o outro?

- Não. Nos vemos seguidamente. Mas saímos os dois com outros também. Por quê?

- Existe alguém - perguntei - algum outro homem que ela goste de maneira especial?

- Que eu saiba não. Por quê?

Fiz que sim com a cabeça, satisfeito.

- Em outras palavras, a não ser por você, o campo está livre, é isso?

- Acho que sim. Aonde você quer chegar?

- Nada, anda - respondi com inocência, tirando minha mala de dentro do armário.

- Onde é que você vai? - quis saber Petey.

- Passar o fim de semana em casa.

Atirei algumas roupas dentro da mala.

- Escute - disse Petey, apegando-se com força ao meu braço - em casa, será que você não poderia pedir dinheiro ao seu pai, e me emprestar para comprar uma jaqueta de couro preto?

- Posso até fazer mais do que isso - respondi, piscando o olho misteriosamente. Fechei a mala e saí.

- Olhe - disse a Petey, ao voltar na segunda feira de manhã. Abri a mala e mostrei o enorme objeto cabeludo e fedorento que meu pai usara ao volante de seu Stutz Beacat em 1955.

- Santo Pai - exclamou Petey com reverência. Passou as mãos na jaqueta e depois no rosto.

- Santo Pai - repetiu, umas quinze ou vinte vezes.

- Você gostaria de ficar com ele? - perguntei.

- Sim - gritou ele, apertando a jaqueta contra o peito. Em seguida, seus olhos assumiram um ar precavido. - O que quer em troca?

- A sua namorada - disse eu, não desperdiçando palavras.

- Polly? - sussurrou Petey, horrorizado. - Você quer a Polly?

- Isso mesmo.

Ele jogou a jaqueta pra longe.

- Nunca - declarou resoluto.

Dei de ombros.

- Tudo bem. Se você não quer andar na moda, o problema é seu.

Sentei-me numa cadeira e fingi que lia um livro, mas continuei espiando Petey, com o rabo dos olhos. Era um homem partido em dois. Primeiro olhava para a jaqueta com a expressão de uma criança desamparada diante da vitrine de uma confeitaria. Depois dava-lhe as costas e cerrava os dentes, altivo. Depois voltava a olhar para a jaqueta. Com uma expressão ainda maior de desejo no rosto. Depois virava-se outra vez, mas agora sem tanta resolução. Sua cabeça ia e vinha, o desejo ascendendo, a resolução descendendo. Finalmente, não se virou mais: ficou olhando para a jaqueta com pura lascívia.

- Não é como se eu estivesse apaixonado por Polly - balbuciou. - Ou mesmo namorando sério, ou coisa parecida.

- Isso mesmo - murmurei.

- Afinal, Polly significa o que para mim, ou eu pra ela?

- Nada - respondi.

- Foi uma coisa banal. Nos divertimos um pouco. Só isso.

- Experimente a jaqueta - disse eu.

Ele obedeceu. A jaqueta ficou bem larga, passando da cintura. Ele parecia um motoqueiro mal vestido da década de cinqüenta.

- Serve perfeitamente - disse, contente.

Levantei-me da cadeira e perguntei, estendendo a mão.

- Negócio feito?

Ele engoliu a seco.

- Feito - disse, e apertou a minha mão.

Saí com Polly pela primeira vez na noite seguinte.

O Primeiro programa teria o caráter de pesquisa preparatória. Eu desejava saber o trabalho que me esperava para elevar a sua mente ao nível desejado. Levei-a para jantar.

- Puxa, que jantar interessante! - disse ela, quando saímos do restaurante. Fomos ao cinema.

- Puxa, que filme interessante! - disse ela, quando saímos do cinema.

Levei-a para casa.

- Puxa, que noite interessante - disse ela, ao nos despedirmos.

Voltei para o quarto com o coração pesado. Eu subestimara gravemente as proporções da minha tarefa. A ignorância daquela moça era aterradora. E não seria o bastante apenas instruí-la. Era preciso, antes de tudo, ensiná-la a pensar. O empreendimento se me afigurava gigantesco, e a princípio me vi inclinado a devolvê-la a Petey. Mas aí comecei a pensar nos seus dotes físicos generosos e na maneira como entrava numa sala ou segurava uma faca, um garfo, e decidi tentar novamente.

Procedi, como sempre, sistematicamente. Dei-lhe um curso de Lógica. Acontece que, como estudante de direito, eu freqüentava na ocasião aulas de Lógica, e portanto tinha tudo na ponta da língua.

- Polly - disse eu, quando fui buscá-la para o nosso segundo encontro. - Esta noite vamos até o parque conversar.

- Ah, que interessante! - respondeu ela.

Uma coisa deve ser dita em favor da moça: seria difícil encontrar alguém tão bem disposta para tudo.

Fomos até o parque, o local de encontros da universidade, nos sentamos debaixo de uma árvore, e ela me olhou cheia de expectativa.

- Sobre o que vamos conversar? - perguntou.

- Sobre Lógica.

Ela pensou durante alguns segundos e depois sentenciou:

- Interessante!

- A Lógica - comecei, limpando a garganta - é a ciência do pensamento. Se quisermos pensar corretamente, é preciso antes saber identificar as falácias mais comuns da Lógica. É o que vamos abordar hoje.

- Interessante! - exclamou ela, batendo palmas de alegria.

Fiz uma careta, mas segui em frente, com coragem.

- Vamos primeiro examinar uma falácia chamada Dicto Simpliciter.

- Vamos - animou-se ela, piscando os olhos com animação.

- Dicto Simpliciter quer dizer um argumento baseado numa generalização não qualificada. Por exemplo: o exercício é bom, portanto todos devem se exercitar.

- Eu estou de acordo - disse Polly, fervorosamente. - Quer dizer, o exercício é maravilhoso. Isto é, desenvolve o corpo e tudo.

- Polly - disse eu, com ternura - o argumento é uma falácia. Dizer que o exercício é bom é uma generalização não qualificada. Por exemplo: para quem sofre do coração, o exercício é ruim. Muitas pessoas têm ordem de seus médicos para não exercitarem. É preciso qualificar a generalização. Deve-se dizer: o exercício é geralmente bom, ou é bom para a maioria das pessoas. Do contrário está-se cometendo um Dicto Simpliciter. Você compreende?

- Não - confessou ela. - Mas isso é interessante. Quero mais. Quero mais!

- Será melhor se você parar de puxar a manga da minha camisa - disse eu e, quando ela parou, continuei:

- Em seguida, abordaremos uma falácia chamada generalização apressada. Ouça com atenção: você não sabe falar francês, eu não sei falar francês, Petey Bellows não sabe falar francês. Devo portanto concluir que ninguém na universidade sabe falar francês.

- É mesmo? - espantou-se Polly. - Ninguém?

Contive a minha impaciência.

- É uma falácia, Polly. A generalização é feita apressadamente. Não há exemplos suficientes para justificar a conclusão.

- Você conhece outras falácias? - perguntou ela, animada. - Isto é até melhor do que dançar.

- Esforcei-me por conter a onda de desespero que ameaçava me invadir. Não estava conseguindo nada com aquela moça, absolutamente nada. Mas não sou outra coisa senão persistente. Continuei.

- A seguir, vem o Post Hoc. Ouça: Não levemos Bill conosco ao piquenique. Toda vez que ele vai junto, começa a chover.

- Eu conheço uma pessoa exatamente assim - exclamou Polly. - Uma moça da minha cidade, Eula Becker. Nunca falha. Toda vez que ela vai junto a um piquenique...

- Polly - interrompi, com energia - é uma falácia. Não é Eula Becker que causa a chuva. Ela não tem nada a ver com a chuva. Você estará incorrendo em Post Hoc, se puser a culpa na Eula Becker.

- Nunca mais farei isso - prometeu ela, constrangida. - Você está bravo comigo?

- Não Polly - suspirei. - Não estou bravo.

- Então conte outra falácia.

- Muito bem. Vamos experimentar as premissas contraditórias.

- Vamos - exclamou ela alegremente.

Franzi a testa, mas continuei.

- Aí vai um exemplo de premissas contraditórias. Se Deus pode fazer tudo, pode fazer uma pedra tão pesada que ele mesmo não conseguirá levantar?

- É claro - respondeu ela imediatamente.

- Mas se ele pode fazer tudo, pode levantar a pedra.

- É mesmo - disse ela, pensativa. - Bem, então eu acho que ele não pode fazer a pedra.

- Mas ele pode fazer tudo - lembrei-lhe.

Ela coçou a cabeça linda e vazia.

- Estou confusa - admitiu.

- É claro que está. Quando as premissas de um argumento se contradizem, não pode haver argumento. Se existe uma força irresistível, não pode existir um objeto irremovível. Compreendeu?

- Conte outra dessas histórias interessantes - disse Polly, entusiasmada.

Consultei o relógio.

- Acho melhor parar por aqui. Levarei você em casa, e lá pensará no que aprendeu hoje. Teremos outra sessão amanhã.

Deixei-a no dormitório das moças, onde ela me assegurou que a noitada fora realmente interessante, e voltei desanimadamente para o meu quarto. Petey roncava sobre sua cama, com a jaqueta de couro encolhida a seus pés. Por alguns segundos, pensei em acordá-lo e dizer que ele podia ter Polly de volta. Era evidente que o meu projeto estava condenado ao fracasso. Ela tinha, simplesmente, uma cabeça à prova de Lógica.

Mas logo reconsiderei. Perdera uma noite, por que não perder outra? Quem sabe se em alguma parte daquela cratera de vulcão adormecido que era a mente de Polly, algumas brasas ainda estivessem vivas. Talvez, de alguma maneira, eu ainda conseguisse abaná-las até que flamejasse. As perspectivas não eram das mais animadoras, mas decidi tentar outra vez.

Sentado sob uma árvore, na noite seguinte, disse:

- Nossa primeira falácia desta noite se chama ad misericordiam.

Ela estremeceu de emoção.

- Ouça com atenção - comecei - Um homem vai pedir emprego. Quando o patrão pergunta quais as suas qualificações, o homem responde que tem uma mulher e dois filhos em casa, que a mulher e aleijada, as crianças não tem o que comer, não tem o que vestir nem o que calçar, a casa não tem camas, não há carvão no porão e o inverno se aproxima.

Uma lágrima desceu por cada uma das faces rosadas de Polly.

- Isso é horrível, horrível! - soluçou.

- É horrível - concordei - mas não é um argumento. O homem não respondeu à pergunta do patrão sobre as suas qualificações. Ao invés disso, tentou despertar a sua compaixão. Cometeu a falácia de ad misericordiam. Compreendeu?

Dei-lhe um lenço e fiz o possível para não gritar enquanto ela enxugava os olhos.

- A seguir - disse, controlando o tom da voz - discutiremos a falsa analogia. Eis um exemplo: deviam permitir aos estudantes consultar seus livros durante os exames. Afinal, os cirurgiões levam as radiografias para se guiarem durante uma operação, os advogados consultam seus papéis durante um julgamento, os construtores têm plantas que os orientam na construção de uma casa. Por quê, então, não deixar que os alunos recorram a seus livros durante uma prova?

- Pois olhe - disse ela entusiasmada - está e a idéia mais interessante que eu já ouvi há muito tempo.

- Polly - disse eu com impaciência - o argumento é falacioso. Os cirurgiões, os advogados e os construtores não estão fazendo teste para ver o que aprenderam, e os estudantes sim. As situações são completamente diferentes e não se pode fazer analogia entre elas.

- Continuo achando a idéia interessante - disse Polly.

- Santo Cristo! - murmurei, com impaciência.

- A seguir, tentaremos a hipótese contrária ao fato.

- Essa parece ser boa - foi a reação de Polly.

- Preste atenção: se Madame Curie não deixasse, por acaso, uma chapa fotográfica numa gaveta junto com uma pitada de pechblenda, nós hoje não saberíamos da existência do rádio.

- É mesmo, é mesmo - concordou Polly, sacudindo a cabeça. - Você viu o filme? Eu fiquei louca pelo filme. Aquele Walter Pidgeon é tão bacana! Ele me faz vibrar.

- Se conseguir esquecer o Sr. Pidgeon por alguns minutos - disse eu, friamente - gostaria de lembrar que o que eu disse é uma falácia. Madame Curie teria descoberto o rádio de alguma outra maneira. Talvez outra pessoa o descobrisse. Muita coisa podia acontecer. Não se pode partir de uma hipótese que não é verdadeira e tirar dela qualquer conclusão defensável.

- Eles deviam colocar o Walter Pidgeon em mais filmes - disse Polly - Eu quase não vejo ele no cinema.

Mais uma tentativa, decidi. Mas só mais uma. Há um limite para o que podemos suportar.

- A próxima falácia é chamada de envenenar o poço.

- Que engraçadinho! - deliciou-se Polly.

- Dois homens vão começar um debate. O primeiro se levante e diz: ‘o meu oponente é um mentiroso conhecido. Não é possível acreditar numa só apalavra do que ele disser’. Agora, Polly, pense bem, o que está errado?

Vi-a enrugar a sua testa cremosa, concentrando-se. De repente, um brilho de inteligência - o primeiro que vira - surgiu nos seus olhos.

- Não é justo! - disse ela com indignação - Não é justo. O primeiro envenenou o poço antes que os outros pudesse beber dele. Atou as mãos do adversário antes da luta começar... Polly, estou orgulhoso de você.

- Ora - murmurou ela, ruborizando de prazer.

- Como vê, minha querida, não é tão difícil. Só requer concentração. É só pensar, examinar, avaliar. Venha, vamos repassar tudo o que aprendemos até agora.

- Vamos lá - disse ela, com um abano distraído da mão.

Animado pela descoberta de que Polly não era uma cretina total, comecei uma longa e paciente revisão de tudo o que dissera até ali. Sem parar citei exemplos, apontei falhas, martelei sem dar trégua. Era como cavar um túnel. A princípio, trabalho duro e escuridão. Não tinha idéia de quando veria a luz ou mesmo se a veria. Mas insisti. Dei duro, até que fui recompensado. Descobri uma fresta de luz. E a fresta foi se alargando até que o sol jorrou para dentro do túnel, clareando tudo.

Levara cinco noites de trabalho forçado, mas valera a pena. Eu transformara Polly em uma lógica, e a ensinara a pensar. Minha tarefa chegara a bom termo. Fizera dela uma mulher digna de mim. Está apta a ser minha esposa, uma anfitriã perfeita para as minhas muitas mansões. Uma mãe adequada para os meus filhos privilegiados.

Não se deve deduzir que eu não sentia amor por ela. Muito pelo contrário. Assim como Pigmaleão amara a mulher perfeita que moldara para si, eu amava a minha. Decidi comunicar-lhe os meus sentimentos no nosso encontro seguinte. Chegara a hora de mudar as nossas relações, de acadêmicas para românticas.

- Polly, disse eu, na próxima vez que nos sentamos sob a árvore - hoje não falaremos de falácias.

- Puxa! - disse ela, desapontada.

- Minha querida - prossegui, favorecendo-a com um sorriso - hoje é a sexta noite que estamos juntos. Nos demos esplendidamente bem. Não há dúvidas de que formamos um bom par.

- Generalização apressada - exclamou ela, alegremente.

- Perdão - disse eu.

- Generalização apressada - repetiu ela. - Como é que você pode dizer que formamos um bom par baseado em apenas cinco encontros?

Dei uma risada, contente. Aquela criança adorável aprendera bem as suas lições.

- Minha querida - disse eu, dando um tapinha tolerante na sua mão - cinco encontros são o bastante. Afinal, não é preciso comer um bolo inteiro para saber se ele é bom ou não.

- Falsa Analogia - disse Polly prontamente - eu não sou um bolo, sou uma pessoa.

Dei outra risada, já não tão contente. A criança adorável talvez tivesse aprendido a sua lição bem demais. Resolvi mudar de tática. Obviamente, o indicado era uma declaração de amor simples, direta e convincente. Fiz uma pausa, enquanto o meu potente cérebro selecionava as palavras adequadas. Depois reiniciei.

- Polly, eu te amo. Você é tudo no mundo pra mim, é a lua e a estrelas e as constelações no firmamento. For favor, minha querida, diga que será minha namorada, senão a minha vida não terá mais sentido. Enfraquecerei, recusarei comida, vagarei pelo mundo aos tropeções, um fantasma de olhos vazios.

Pronto, pensei; está liquidado o assunto.

- Ad misericordiam - disse Polly.

Cerrei os dentes. Eu não era Pigmaleão; era Frankenstein, e o meu monstro me tinha pela garganta. Lutei desesperadamente contra o pânico que ameaçava invadir-me. Era preciso manter a calma a qualquer preço.

- Bem, Polly - disse, forçando um sorriso - não há dúvida que você aprendeu bem as falácias.

- Aprendi mesmo - respondeu ela, inclinando a cabeça com vigor.

- E quem foi que ensinou a você, Polly?

- Foi você.

- Isso mesmo. E portanto você me deve alguma coisa, não é mesmo, minha querida? Se não fosse por mim, você nunca saberia o que é uma falácia.

- Hipótese Contrária ao Fato - disse ela sem pestanejar.

Enxuguei o suor do rosto.

- Polly - insisti, com voz rouca - você não deve levar tudo ao pé da letra. Estas coisas só têm valor acadêmico. Você sabe muito bem que o que aprendemos na escola nada tem a ver com a vida.

- Dicto Simpliciter - brincou ela, sacudindo o dedo na minha direção.

Foi o bastante. Levantei-me num salto, berrando como um touro.

- Você vai ou não vai me namorar?

- Não vou - respondeu ela.

- Por que não? - exigi.

- Porque hoje à tarde eu prometi a Petey Bellows que eu seria a namorada dele.

Quase caí para trás, fulminado por aquela infâmia. Depois de prometer, depois de fecharmos negócio, depois de apertar a minha mão!

- Aquele rato! - gritei, chutando a grama. - Você não pode sair com ele, Polly. É um mentiroso. Um traidor. Um rato.

- Envenenar o poço - disse Polly - E pare de gritar. Acho que gritar também deve ser uma falácia.

Com uma admirável demonstração de força de vontade, modulei a minha voz.

- Muito bem - disse - você é uma lógica. Vamos olhar as coisas logicamente. Como pode preferir Petey Bellows? Olhe para mim: um aluno brilhante, um intelectual formidável, um homem com futuro assegurado. E veja Petey: um maluco, um boa vida, um sujeito que nunca saberá se vai comer ou não no dia seguinte. Você pode me dar uma única razão lógica para namorar Petey Bellows?

- Posso sim - declarou Polly - Ele tem uma jaqueta de couro preto.